Em 1992, um rapaz de 32 anos me procura no consultório. Diz que está com AIDS e que acha que posso ajudá-lo. Pergunto em quê, e ele responde:
Toda minha vida quis que as pessoas ouvissem o que tenho a dizer sobre o que acho que tem valor e importância para mim, Foi impossível. Todos os que encontrei só sabiam ver em mim um homossexual. O que eu sentia, sentia desta ou daquela maneira, por que era homossexual; o que eu gostava, gostava desta ou daquela maneira, porque era homossexual. Me falaram o tempo inteiro do meu jeito homossexual; da minha sensibilidade homossexual; da minha historia homossexual; do meu sexo homossexual. De minha tendência homossexual. Dos amigos aos analistas todos, todos, só sabiam dizer: “esconda! mostre!; “seja homossexual, não seja homossexual”. Muitas vezes pensei, quando encontrava pessoas que ainda não conhecia, em perdir-lhes, como em O Fantasma da Ópera, “close yours eyes”. Olhem através de mim, vejam o que existe e que não é homossexual. Impossível. Acabei cedendo; acabei sendo “um homossexual”; “acabei sendo um gay”. Agora, que estou perto de morrer, talvez me deixem em paz. Achei que podia encontrar alguém que me ouvisse falar do que eu gostei, de quem amei, do que me fez triste, alegre, etc. Por isso te procurei. Vou morrer, já posso deixar de ser homossexual.
O Rapaz está morto. Tempos depois, um familiar entrou em contato comigo. Agradeceu-me por tê-lo ajudado a viver um pouco melhor nos últimos momentos da vida. Ele, dizia o familiar, que a vida inteira viveu atormentado com o problema de “sua homossexualidade”. Meu cliente morrera, o homossexual continuava vivo.
Toda minha vida quis que as pessoas ouvissem o que tenho a dizer sobre o que acho que tem valor e importância para mim, Foi impossível. Todos os que encontrei só sabiam ver em mim um homossexual. O que eu sentia, sentia desta ou daquela maneira, por que era homossexual; o que eu gostava, gostava desta ou daquela maneira, porque era homossexual. Me falaram o tempo inteiro do meu jeito homossexual; da minha sensibilidade homossexual; da minha historia homossexual; do meu sexo homossexual. De minha tendência homossexual. Dos amigos aos analistas todos, todos, só sabiam dizer: “esconda! mostre!; “seja homossexual, não seja homossexual”. Muitas vezes pensei, quando encontrava pessoas que ainda não conhecia, em perdir-lhes, como em O Fantasma da Ópera, “close yours eyes”. Olhem através de mim, vejam o que existe e que não é homossexual. Impossível. Acabei cedendo; acabei sendo “um homossexual”; “acabei sendo um gay”. Agora, que estou perto de morrer, talvez me deixem em paz. Achei que podia encontrar alguém que me ouvisse falar do que eu gostei, de quem amei, do que me fez triste, alegre, etc. Por isso te procurei. Vou morrer, já posso deixar de ser homossexual.
O Rapaz está morto. Tempos depois, um familiar entrou em contato comigo. Agradeceu-me por tê-lo ajudado a viver um pouco melhor nos últimos momentos da vida. Ele, dizia o familiar, que a vida inteira viveu atormentado com o problema de “sua homossexualidade”. Meu cliente morrera, o homossexual continuava vivo.
Fica a pergunta: o que é isto, a homossexualidade? O que nos faz dizer reconhecer, saber, definir ou descrever alguém como sendo “homossexual”? E o que faz com que alguém que se identifique ou seja identificado como “homossexual” venha a ser visto como uma especia de homem à parte? Homens que só conseguimos perceber, julgar, avaliar, pondo em primeiro plano, suas inclinações eróticas. O que, nesta figura do sujeito, captura tanto nosso imaginário?
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COSTA, Jurandir Freire. A face e o verso: estudos sobre o homoerotismo ii. São Paulo: Escuta, 1995. 303 p.