segunda-feira, 22 de março de 2010

O homossexual?

Em 1992, um rapaz de 32 anos me procura no consultório. Diz que está com AIDS e que acha que posso ajudá-lo. Pergunto em quê, e ele responde:

Toda minha vida quis que as pessoas ouvissem o que tenho a dizer sobre o que acho que tem valor e importância para mim, Foi impossível. Todos os que encontrei só sabiam ver em mim um homossexual. O que eu sentia, sentia desta ou daquela maneira, por que era homossexual; o que eu gostava, gostava desta ou daquela maneira, porque era homossexual. Me falaram o tempo inteiro do meu jeito homossexual; da minha sensibilidade homossexual; da minha historia homossexual; do meu sexo homossexual. De minha tendência homossexual. Dos amigos aos analistas todos, todos, só sabiam dizer: “esconda! mostre!; “seja homossexual, não seja homossexual”. Muitas vezes pensei, quando encontrava pessoas que ainda não conhecia, em perdir-lhes, como em O Fantasma da Ópera, “close yours eyes”. Olhem através de mim, vejam o que existe e que não é homossexual. Impossível. Acabei cedendo; acabei sendo “um homossexual”; “acabei sendo um gay”. Agora, que estou perto de morrer, talvez me deixem em paz. Achei que podia encontrar alguém que me ouvisse falar do que eu gostei, de quem amei, do que me fez triste, alegre, etc. Por isso te procurei. Vou morrer, já posso deixar de ser homossexual.

O Rapaz está morto. Tempos depois, um familiar entrou em contato comigo. Agradeceu-me por tê-lo ajudado a viver um pouco melhor nos últimos momentos da vida. Ele, dizia o familiar, que a vida inteira viveu atormentado com o problema de “sua homossexualidade”. Meu cliente morrera, o homossexual continuava vivo.

Fica a pergunta: o que é isto, a homossexualidade? O que nos faz dizer reconhecer, saber, definir ou descrever alguém como sendo “homossexual”? E o que faz com que alguém que se identifique ou seja identificado como “homossexual” venha a ser visto como uma especia de homem à parte? Homens que só conseguimos perceber, julgar, avaliar, pondo em primeiro plano, suas inclinações eróticas. O que, nesta figura do sujeito, captura tanto nosso imaginário?

pag. 52

COSTA, Jurandir Freire. A face e o verso: estudos sobre o homoerotismo ii. São Paulo: Escuta, 1995. 303 p.

domingo, 21 de março de 2010

Necessidades Contemporânea

Não é à toa que a depressão é o mal do século. São muitas as exigências para uma pessoa só. Seguir padrões de beleza, ser magra, andar na moda, ter cabelo bonito e bem tratado, mãos e pés impecáveis; falar e escrever português corretamente, ter fluência em inglês, procurar aprender outra língua como diferencial para seu currículo e sua carreira, ter uma profissão que lhe dê prazer e ao mesmo tempo dinheiro, conseguir seguir um plano de carreira dentro da empresa;

Estar sempre atualizada com as novas tendências tecnológicas é imprescindível, megabytes, gigabytes, MP3, MP4, iPod, celulares que já adivinham para quem você quer ligar, fones de ouvido mega potentes, TVs de ultra-mega-super-alta definição; Ter perfil no Orkut, no facebook, no twitter e por lá, seguir uma infinidade de pessoas que jorram informações a 140 caracteres a todo o momento; estar antenada com as noticias não só do Brasil, mas também do resto do mundo, inclusive das micro ilhas da Indonésia, entender o tipo de economia vigente lá e o sistema político adotado, afinal, o mundo é globalizado e qualquer passo em falso lá do outro lado do mundo pode acarretar um tsunami econômico aqui na tropicálha.

Ter um relacionamento feliz e duradouro com um homem que atenda todos os pré-requisitos para lhe fazer feliz – ou seja, um homem com pouquíssimos defeitos -, estar casada com ele antes dos 30 anos, ter filhos até os 35 e ainda continuar bonita e sensual, pois você corre o risco de ser trocada por outra mulher que é tudo isso e muito mais;

É imprescindível que o seu apartamento atenda o design da ultima moda e te defina como pessoa, e que ele esteja sempre limpo e impecável para receber suas amigas, casadas ou não, mas todas pós-graduadas como você, que já passou por trabalhos de conclusão de curso, bancadas com professores mal-humorados cheios de perguntas irrelevantes, muitas vezes considerados profissionais frustrados e cheios de não me toques, neste caso, o jogo de cintura é uma arte que não pode faltar no seu currículo;

Mas, nada disso importa, pois você na poderá deixar de assistir a todos os ultra-mega-advanced espetáculos do Teatro Abril, aos shows do U2 e do Roger Waters, que sempre chegam com a ameaça de ser a ultima passagem deles aqui no Brasil, assim como os filmes da Mostra Internacional de Cinema que só passam uma vez e nunca entrarão no circuito dos grandes cinemas, e você, ainda bem, conseguiu ver aquele do diretor consagrado do Irã que todos acharam fantástico;

E... claro! Não podíamos esquecer que você também tem que, ates dos 50 anos, ter conhecido a Europa, alguns países essenciais da America Latina, como Chile e Argentina, e a ultima tendência da área do turismo, Dubai; e nada melhor do que levar na bagagem, tanto de mão quanto intelectual o entendimento de assuntos, principalmente os literários. Para isso, é preciso que voc~e tenha lido, pelo menos, um livro do Saramago, um do Luis Fernando Veríssimo, uns dois de Dostoievsky – afinal de contas é preciso saber comparar uma obra da outra -, um do português Eça de Queirós, uns quatro do baiano Jorge Amado, pelo menos um do colombiano Gabriel Garcia Marques e um do espanhol Miguel de Cervantes.

É necessário também ter lido e saber citar poesias de Manuel Bandeira, Cecilia Meireles e Fernando Pessoa, saber sobre cinema e os filmes considerados ou rotulados “de autor” e assim ter visto, pelo menos, um filme do Felini, do Kubrick, do Lars Von Trier, do Spilberg, do Kurosawa e do louquíssimo Buñuel, ter ido a todas as super-ultra-mega exposições da Oca, no Parque do Ibirapuera e, para finalizar, não esquecer de se atualizar sempre sobre os últimos campeões do campeonato Paulista, Brasileiro e Libertadores. Afinal, somos o país do futebol.

E tudo isso procurando sempre manter a sua autenticidade e personalidade intactas, seguindo os preceitos do bem e não fazendo mal a ninguém, porque aqui se faz, aqui se paga.

Retirado da revista off Line Nº 15
offline.com.br

Texto de Taís Kerche
Tais.kerche@gmail.com