sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Silencio dos Inocentes

- Você gostariade me analisar, policial Starling. Você é muito ambiciosa, não é? Sabe o que você me parece, com sua bela bolsa e seus sapatos baratos? Parece uma caipira. Uma caipira melhorada, limpa, com um pouco de bom gosto. Seus olhos são como pedras baratas do mês - tudo é brilho superficial quando você consegue uma pequena resposta. E por trás delas você é brilhante, não é? Desespera-se para não ser como sua mãe. Uma boa nutrição deu-lhe ossos mais longos, mas você não está fora das minas há mais de uma geração, policial Starling. Você é dos.Starlings de West Virgínia ou de Oklahoma? Houve uma decisão de cara-oucoroa entre a universidade e o Corpo Feminino do Exército, não houve? Vou lhe dizer algo específico sobre você mesma, estudante Starling. No seu quarto você tem um colar de ouro de contas soltas, e sente um choquezinho desagradável quando vê como agora se tornaram sem graça, não é verdade? Tantos cansativos agradecimentos vida afora, tantas mesuras e hesitações, banalizando cada uma daquelas contas. Cansativo. Cansativo. Te-eedioso. Ser inteligente estraga uma porção de coisas, não é verdade? E ter bom gosto não é bom. Quando você pensar sobre esta conversa, vai se lembrar do estúpido animal ferido no rosto quando você se livrou dele. - E no mais suave dos tons, o Dr. Lecter acrescentou: - Se o colar de contasse tornou sem graça, o que mais perderá a graça no curso da sua vida? Você cisma com isso, não é, durante a noite? 

Starling levantou a cabeça para encará-lo.

- O senhor enxerga longe, Dr. Lecter. Não nego nada do que acabou de dizer. Mas eis uma pergunta que está me respondendo agora mesmo, quer queira quer não: O senhor tem energia suficiente para voltar essa sua percepção de alta potência em direção a si?

Thomas Harris, Silencio dos Inocentes.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Preciosa

-Escreva.

-Estou cansada Sra. Rain.

-Se não for por você, então
para as pessoas que a amam.

-Ninguém me ama.

-As pessoas te amam, Precious.

-Por favor, não minta pra mim Sra. Rain!
O amor não fez nada pra mim. O amor me bate, estupra, me chama de animal, me faz sentir inútil, me deixa doente.


Precious Based on the Novel Push by Sapphire, film by Lee Daniels

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Ai você escolhe a verdade que lhe convem:

Para Marx, o titereteiro invisível da História chama-se “interesse de classe”: é ele que move os guerreiros, estadistas e pensadores que, ingenuamente, acreditavem estar agindo por Deus, pela pátria, pela veradde ou por qualquer outro motivo.

Para Nietzsche, o interesse de classe ou qualquer outro motivo alegado para explicar a conduta humana não é senão o véu ilusório a encobrir a verdadeira motivação da história toda: a vontade de poder.

Já segundo Freud, todos os personagens do drama, inclusive aqueles que pensam agir por interesse de classe ou por uma nietzscheana vontade de poder, não fazem senão obedecer ao impulso da libido inconsciente recalcada.

Para Jung, ao contrário, o revolucionário de Marx, o recalcado libidinoso de Freud e o ambicioso super-homem de Nietzsche são apenas atores que, sem saber, repetem as tramas arquetípicas de um script milenar registrado no inconsciente coletivo.

Korzybky e Whorf, os fundadores da “Semântica Geral”, pretendem que todo o Ocidente, incluindo Marx, Freud, Nietzsche e Jung, tenha sido enganado durante dois milênio por “pressupostos metafísicos” aristotélicos imbricados na estrutura da linguagem, e que os primeiros a escaparem dessa coerção invisível e onipresente tenha sido... Korzybky e Whorf.

Mas Foucault diz que não é nada disso: o script invisivel, o a priori supremo, chma-se episteme: é aestrutura geral do saber, que condiciona todos os conhecimentos particulares de uma dada época – incluindo as teorias de Marx, Freud, Jung, Korzybky e Whorf – e que de repente, sem razão plausível, muda para outra episteme deixando todos perdidos no ar, como se um cenário rodante girasse de Hamlet para Romeu e Julieta sem dar aviso aos atores.

Olavo de Carvalho apud Arthur Schopenhauer.
"Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão" Pag. 235-237

domingo, 18 de abril de 2010

“Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?”

O Chapeleiro foi o primeiro a quebrar o silêncio: “Que dia do mês é hoje?”, disse, dirigindo-se a Alice. Ele tinha tirado seu relógio do bolso e estava olhando-o com preocupação, sacudindo-o de quando em quando e segurando-o junto ao ouvido.
Alice refletiu um pouco e depois respondeu: “É dia quatro.”
Dois dias atrasado!” suspirou o Chapeleiro. “Eu disse a você que a manteiga não ia adiantar!” acrescentou ele, olhando furioso para a Lebre de Março.
Mas era a melhor manteiga!” respondeu a Lebre de Março com brandura.
Sim, mas devem ter caído migalhas de pão”, resmungou o Chapeleiro, “você não devia ter usado a faca de pão na manteiga.
A Lebre de Março pegou o relógio e olhou-o melancolicamente; então o mergulhou na sua xícara de chá e olhou-o de novo: mas não pôde encontrar nada mais interessante para dizer
do que sua primeira observação “era a melhor manteiga, juro.”
Alice estivera olhando tudo por cima do ombro com certa curiosidade. “Que relógio engraçado!” observou. “Ele mostra o dia do mês, mas não mostra as horas!
Por que deveria?” murmurou o Chapeleiro. “Por acaso o seu relógio mostra o ano?
Claro que não”, respondeu Alice prontamente: “mas é porque se permanece no mesmo ano durante muito tempo.
É exatamente o caso do meu”, disse o Chapeleiro.
Alice sentiu-se terrivelmente embaraçada. O comentário do Chapeleiro parecia não fazer o menor sentido, embora era certo que falassem a mesma língua.
Não o compreendo bem”, disse ela da maneira mais polida possível.
O Caxingulê adormeceu de novo”, disse o Chapeleiro, despejando um pouco de chá quente no nariz dele. O Dormidongo abanou a cabeça com impaciência e disse, sem abrir os olhos: “claro, claro, é justamente o que eu ia dizer.
Você já decifrou a adivinhação?” perguntou o Chapeleiro, voltando-se outra vez para Alice.
Não, desisto”, respondeu Alice. “Qual é a resposta?
Não faço a mínima idéia”, disse o Chapeleiro.
Nem eu”, disse a Lebre de Março.
Alice suspirou enfadada. “Acho que você deveria aproveitar melhor o tempo”, disse ela, “em vez de gastá-lo com adivinhações sem resposta.
Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço”, disse o Chapeleiro, “você não falaria em gastá-lo, como uma coisa. Ele é alguém.
Não sei o que você quer dizer”, disse Alice.
É claro que você não sabe!” disse o Chapeleiro, inclinando a cabeça com desdém. “Eu diria até mesmo que você nunca falou com o Tempo!
Talvez não”, respondeu Alice com cautela, “mas sei que devo marcar o tempo quando aprendo música.
Ah! Isso explica tudo!” disse o Chapeleiro. “Ele não suporta ser marcado. Agora, se você mantivesse com ele boas relações, ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio. Por exemplo, suponha que fossem nove horas da manhã, justamente a hora de começarem as lições: você teria apenas de sussurrar uma dica ao Tempo, e o ponteiro giraria num piscar
de olhos: uma e meia, hora do almoço!
(“Como eu gostaria que fosse assim mesmo”, sussurrou a
Lebre de Março para si mesma.)
Seria fantástico, com certeza”, disse Alice, pensativa; “mas, então, eu ainda não estaria com fome, não é?
Não a princípio, talvez”, disse o Chapeleiro, “mas você poderia permanecer à uma e meia por quanto tempo quisesse.
É assim que você faz?” indagou Alice.
O Chapeleiro balançou a cabeça com desgosto: “Eu não!”, disse. “Nós brigamos em março passado... logo antes de ela ficar louca, sabe...” (apontou com sua colher para a Lebre de Março), “foi no grande concerto oferecido pela Rainha de Copas, e eu tinha de cantar:

Pisca, pisca, morceguinho, Aonde vais nem adivinho.

Você conhece a canção, não é?
Já ouvi algo parecido”, disse Alice.
Paródia do poema infantil “A Estrela”, de Jane Taylor: “Pisca, pisca, estrelinha...
E continua, sabe”, emendou o Chapeleiro, “assim:

‘Lá no céu, como travessa
Para chá, voas depressa.
Pisca, pisca—’

Nesse ponto o Caxinguelê estremeceu e começou a cantarolar, enquanto dormia: “pisca, pisca, pisca, pisca...” E continuou por tanto tempo que tiveram de dar-lhe um beliscão para que parasse.
Bem, eu nem acabara o primeiro verso”, disse o Chapeleiro, “quando a Rainha bradou: ‘Ele está matando o tempo! Cortem-lhe a cabeça!’”
Mas que selvageria!” exclamou Alice.
E desde então”, continuou o Chapeleiro num tom pesaroso, “ele não faz nada do que eu peço! São sempre seis horas!
É, é isso mesmo”, disse a Lebre de Março com um suspiro, “é sempre hora do chá, e nós não temos tempo de lavar a louça nos intervalos.
É por isso que vocês ficam girando em torno da mesa?” disse Alice.
Exatamente”, disse o Chapeleiro, “conforme as louças vão ficando sujas.
Mas o que acontece quando vocês retornam para o começo?” Alice ousou perguntar.
Que tal se mudássemos de assunto?

(Lewis Carroll: Aventuras de Alice no País das Maravilhas, 1865, p. 82-87)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Um cego escreve:

Isso levaria imediatamente a se pensar que há muitos acontecimentos que podem diminuir a satisfação de viver de maneira muito mais afetiva do que a cegueira. Esse pensamento é interamente saudavel. Desse ponto de vista, podemos perceber, por exemplo, que um defeito como a incapacidade de aceitar o amor humano, que pode diminuir o prazer de viver até quase esgota-lo, é muito mais trágico do que a cegueira. Mas é pouco comum que o homem com tal doença chegue a aperceber-se dela e, portanto, a ter pena de si mesmo.

(Erving Goffman: Estigma, 1988, p. 24)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"Sininho não era de todo má. Ou melhor, nesse momento ela estava sendo toda má, mas, por outro lado, muitas vezes ela era toda boa. As fadas têm que ser sempre ou uma coisa ou outra porque, como são tão pequenininhas, infelizmente só há lugar para um sentimento de cada vez”

(James Matthew Barrie: Peter Pan, 2006, p. 74).

segunda-feira, 22 de março de 2010

O homossexual?

Em 1992, um rapaz de 32 anos me procura no consultório. Diz que está com AIDS e que acha que posso ajudá-lo. Pergunto em quê, e ele responde:

Toda minha vida quis que as pessoas ouvissem o que tenho a dizer sobre o que acho que tem valor e importância para mim, Foi impossível. Todos os que encontrei só sabiam ver em mim um homossexual. O que eu sentia, sentia desta ou daquela maneira, por que era homossexual; o que eu gostava, gostava desta ou daquela maneira, porque era homossexual. Me falaram o tempo inteiro do meu jeito homossexual; da minha sensibilidade homossexual; da minha historia homossexual; do meu sexo homossexual. De minha tendência homossexual. Dos amigos aos analistas todos, todos, só sabiam dizer: “esconda! mostre!; “seja homossexual, não seja homossexual”. Muitas vezes pensei, quando encontrava pessoas que ainda não conhecia, em perdir-lhes, como em O Fantasma da Ópera, “close yours eyes”. Olhem através de mim, vejam o que existe e que não é homossexual. Impossível. Acabei cedendo; acabei sendo “um homossexual”; “acabei sendo um gay”. Agora, que estou perto de morrer, talvez me deixem em paz. Achei que podia encontrar alguém que me ouvisse falar do que eu gostei, de quem amei, do que me fez triste, alegre, etc. Por isso te procurei. Vou morrer, já posso deixar de ser homossexual.

O Rapaz está morto. Tempos depois, um familiar entrou em contato comigo. Agradeceu-me por tê-lo ajudado a viver um pouco melhor nos últimos momentos da vida. Ele, dizia o familiar, que a vida inteira viveu atormentado com o problema de “sua homossexualidade”. Meu cliente morrera, o homossexual continuava vivo.

Fica a pergunta: o que é isto, a homossexualidade? O que nos faz dizer reconhecer, saber, definir ou descrever alguém como sendo “homossexual”? E o que faz com que alguém que se identifique ou seja identificado como “homossexual” venha a ser visto como uma especia de homem à parte? Homens que só conseguimos perceber, julgar, avaliar, pondo em primeiro plano, suas inclinações eróticas. O que, nesta figura do sujeito, captura tanto nosso imaginário?

pag. 52

COSTA, Jurandir Freire. A face e o verso: estudos sobre o homoerotismo ii. São Paulo: Escuta, 1995. 303 p.

domingo, 21 de março de 2010

Necessidades Contemporânea

Não é à toa que a depressão é o mal do século. São muitas as exigências para uma pessoa só. Seguir padrões de beleza, ser magra, andar na moda, ter cabelo bonito e bem tratado, mãos e pés impecáveis; falar e escrever português corretamente, ter fluência em inglês, procurar aprender outra língua como diferencial para seu currículo e sua carreira, ter uma profissão que lhe dê prazer e ao mesmo tempo dinheiro, conseguir seguir um plano de carreira dentro da empresa;

Estar sempre atualizada com as novas tendências tecnológicas é imprescindível, megabytes, gigabytes, MP3, MP4, iPod, celulares que já adivinham para quem você quer ligar, fones de ouvido mega potentes, TVs de ultra-mega-super-alta definição; Ter perfil no Orkut, no facebook, no twitter e por lá, seguir uma infinidade de pessoas que jorram informações a 140 caracteres a todo o momento; estar antenada com as noticias não só do Brasil, mas também do resto do mundo, inclusive das micro ilhas da Indonésia, entender o tipo de economia vigente lá e o sistema político adotado, afinal, o mundo é globalizado e qualquer passo em falso lá do outro lado do mundo pode acarretar um tsunami econômico aqui na tropicálha.

Ter um relacionamento feliz e duradouro com um homem que atenda todos os pré-requisitos para lhe fazer feliz – ou seja, um homem com pouquíssimos defeitos -, estar casada com ele antes dos 30 anos, ter filhos até os 35 e ainda continuar bonita e sensual, pois você corre o risco de ser trocada por outra mulher que é tudo isso e muito mais;

É imprescindível que o seu apartamento atenda o design da ultima moda e te defina como pessoa, e que ele esteja sempre limpo e impecável para receber suas amigas, casadas ou não, mas todas pós-graduadas como você, que já passou por trabalhos de conclusão de curso, bancadas com professores mal-humorados cheios de perguntas irrelevantes, muitas vezes considerados profissionais frustrados e cheios de não me toques, neste caso, o jogo de cintura é uma arte que não pode faltar no seu currículo;

Mas, nada disso importa, pois você na poderá deixar de assistir a todos os ultra-mega-advanced espetáculos do Teatro Abril, aos shows do U2 e do Roger Waters, que sempre chegam com a ameaça de ser a ultima passagem deles aqui no Brasil, assim como os filmes da Mostra Internacional de Cinema que só passam uma vez e nunca entrarão no circuito dos grandes cinemas, e você, ainda bem, conseguiu ver aquele do diretor consagrado do Irã que todos acharam fantástico;

E... claro! Não podíamos esquecer que você também tem que, ates dos 50 anos, ter conhecido a Europa, alguns países essenciais da America Latina, como Chile e Argentina, e a ultima tendência da área do turismo, Dubai; e nada melhor do que levar na bagagem, tanto de mão quanto intelectual o entendimento de assuntos, principalmente os literários. Para isso, é preciso que voc~e tenha lido, pelo menos, um livro do Saramago, um do Luis Fernando Veríssimo, uns dois de Dostoievsky – afinal de contas é preciso saber comparar uma obra da outra -, um do português Eça de Queirós, uns quatro do baiano Jorge Amado, pelo menos um do colombiano Gabriel Garcia Marques e um do espanhol Miguel de Cervantes.

É necessário também ter lido e saber citar poesias de Manuel Bandeira, Cecilia Meireles e Fernando Pessoa, saber sobre cinema e os filmes considerados ou rotulados “de autor” e assim ter visto, pelo menos, um filme do Felini, do Kubrick, do Lars Von Trier, do Spilberg, do Kurosawa e do louquíssimo Buñuel, ter ido a todas as super-ultra-mega exposições da Oca, no Parque do Ibirapuera e, para finalizar, não esquecer de se atualizar sempre sobre os últimos campeões do campeonato Paulista, Brasileiro e Libertadores. Afinal, somos o país do futebol.

E tudo isso procurando sempre manter a sua autenticidade e personalidade intactas, seguindo os preceitos do bem e não fazendo mal a ninguém, porque aqui se faz, aqui se paga.

Retirado da revista off Line Nº 15
offline.com.br

Texto de Taís Kerche
Tais.kerche@gmail.com